ARU de Santa Cruz do Bispo
Aprovada por Deliberação da Assembleia Municipal de Matosinhos, em sessão realizada em 13 de setembro de 2021,, publicada no Diário da República, II Série, n.º 205, de 21 de outubro de 2021, sob o AVISO N. 19857/2021.
A ARU de Santa Cruz do Bispo situa-se na antiga freguesia com o mesmo nome, agora integrada na União de Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo, no quadrante norte do concelho de Matosinhos, território que ainda se caracteriza pela sua matriz rural, apesar da sua evolução mais recente para um território periurbano de génese metropolitana. De facto, esta ARU encontra-se “encravada” o Aeroporto Francisco Sá Carneiro a norte, a grande zona empresarial e comercial a poente (onde estão instalados grandes unidades comerciais e empresas do setor logístico), a zona naturalizada do Rio Leça e da antiga Quinta dos Bispos (atual Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo) a nascente e a VILPL (Via Interna de Ligação ao Porto de Leixões) a sul.
No entanto, a referência histórica à paisagem bucólica e rural deste território é um património que ainda é possível verificar-se e que continua a marcar Santa Cruz do Bispo. De acordo com o “Ensaio Monográfico e Etnográfico sobre Santa Cruz do Bispo”, de Ricardo Pereira Lemos (2018), “não fosse a decisão de transformar a quinta de recreio dos bispos do Porto num complexo penitenciário (1939) e Matosinhos disporia hoje de um local único no contexto regional”. De facto, até esta data, Santa Cruz do Bispo, assim chamada precisamente pela presença da Quinta do Bispos, dispunha de um espaço notável (do qual restam ainda alguns elementos): “uma
ampla extensão de terra com área de bosque, ramadas, múltiplas fontes, cascatas, ermidas, capelinhas e elementos escultóricos”, prolongando-se pelas margens do Rio Leça.
De acordo com as notas monográficas da União de Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo (https://www.perafita-lavra-santacruzbispo.pt/index.php/pages/page/65), este território fazia “parte do antigo Julgado da Maia (Santa Cruz de Riba Leça e, mais tarde, Santa Cruz da Maia). A sua atual designação remonta a 1623, por pertencer ao Cabido da Diocese do Porto, ao bispo D. Rodrigo Pinheiro, que, em 1552, estabeleceu, neste local, uma quinta de repouso, junto às margens do Rio Leça”. A informação disponibilizada pelo Centro Social Paroquial de Santa Cruz do Bispo (http://www.centrobispo.pt/freguesia/) permite atestar a importância deste património, atestando que se estabelecera “nas margens do Rio Leça a mais famosa estância de repouso e meditação dos prelados portuenses. (…) A Quinta era de tal grandeza que foi comparada com as mais belas propriedades de Espanha, Toscana ou Roma”.
“Os monges de Santo Agostinho, desde cedo, habitaram esta zona. Nos séculos XVI e XVII, com a construção da quinta para estância de repouso dos bispos do Porto, edificaram-se algumas ermidas, que, ainda hoje, se encontram em bom estado de conservação, como, por exemplo, a Capela de São Brás. Existia, também, a igreja matriz, do século XIII, depois reconstruída na edificação atual no século XVIII” (notas monográficas da União de Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo).
Outro elemento patrimonial importante e que marca de forma muito vincada este território é a Ponte do Carro, que liga Guifões a Santa Cruz do Bispo, na garganta mais definida do rio Leça.
“Considerada de românico primitivo, com o seu arco dominando a paisagem, estava num dos caminhos dos peregrinos que iam em promessa a Santiago de Compostela. Peregrinos abundantes, a crer nos testamentos da época, que cediam herdade e casais para que os mosteiros tivessem recursos para os abrigar e, no caso de morrerem em viagem, tratar dos seus órfãos. O centro português, para onde convergiam os peregrinos era Braga, centro religiosos de Portugal. A Igreja do Apóstolo tinha conseguido receber um importante rendimento, os votos de S. Tiago, que todos os lavradores pagavam, uma medida de pão e outra de vinho, por cada junta de bois que lavrassem. O alargamento dos votos a casais ermos, que não rendiam, pela diocese do Porto, levaria à contestação dos lavradores, tanto em Braga como no Porto. O Julgado da Maia, tal como o de Gaia e o de Vila da Feira recusaram o pagamento novo, o que levou a uma polémica régia e religiosa que durou anos” (idem).
Vemos, pois, que a “Ponte do Carro era importante na antiga vila que ligava Santa Cruz à estrada de passagem no caminho do Convento de Moreira, ponto de paragem na Estrada de Santiago.
Não podemos esquecer, também, que Guifões era zona de lavradores com certos recursos, que estariam vocacionados para fazer render os seus votos de Santiago com peregrinações ao corpo do Apóstolo. A Ponte do Carro, ao contrário da ponte de alvenaria que se dizia moura, conseguiu sobreviver e é considerada monumento nacional, sobretudo, também por possuir certas afinidades estilísticas com outras pontes peninsulares” (ibidem).
1910 é um ano importante para o que começaria a ser a transformação deste território: “com o advento da República, o património da Quinta de Santa Cruz do Bispo passou definitivamente da Igreja para o Estado. Em 1913 foi cedida pelo Ministério da Justiça ao do Fomento para nela se instalar o Posto Agrário do Minho Litoral, dada a ampla superfície de terras aráveis, lameiros e arvoredos. O eng. agrónomo Augusto Leite Pereira Brittes Jardim foi, em 1916, o primeiro responsável por todos os serviços do Posto. Além da função específica, apareceu, de novo, um homem providencial que procurou reconstruir a Quinta de Santa Cruz do Bispo de modo a manter-se, quanto possível, o aspeto primitivo. Reparou por completo o arruado da entrada (Rua do Anjo), reconstruiu o jardim anexo à moradia, obedecendo a graciosas formas geométricas (esse maravilhoso jardim foi posteriormente destruído). Procedeu à reparação da parte principal das ruínas da velha casa senhorial antiportuguesa, sobrepujada pela arma dos Pinheiros (Palácio D. Mafalda), à reconstituição de fontes, cascatas, pórticos de granito, tanques entre os quais o “tanque da serpente”, consertou as escadarias como seja o efetuado no escadório rústico que liga aquele tanque com a majestosa cascata do “focinho de porco”, ensombrada por gigantescos castanheiros. Essa pitoresca queda de água foi posteriormente ornamentada com a construção de um lago, jardim e novos caminhos e estradas. Tudo isso permanece hoje me dia. (…) Em 1939 transitou a Quinta, de novo, para o Ministério da Justiça, instalando-se aí a Colónia Penal.
Realizaram-se as obras para adaptação a tal finalidade. Construiu-se o Pavilhão Prisional e outras dependências. Pelas adaptações realizadas, foram, infelizmente, alteradas as linhas arquitetónicas do Palácio D. Mafalda, tendo desaparecido a pedra de armas quinhentista, que recordava pelos séculos fora a figura do seu insigne fundador” (informação disponível em http://www.centrobispo.pt/freguesia/). Deste vasto património, importa destacar o portão barroco concebido pelo arquiteto italiano Nicolau Nasoni (património entretanto classificado), com 12,75 metros de altura. De acordo com a mesma fonte, este portão seria “uma versão maior dos portões com janelas laterais do Viso e Bonjóia, e apresenta dois elementos importantes na forma do arco central e na cultura do rico remate. (…) Para este arco Nasoni escolheu um perfil trilobado, repetindo, assim uma das características da arquitetura manuelina que sobreviveu na talha do fim do séc. XVII e começo do séc. XVIII. Este arco, segundo os críticos da arte, representa mais um indício e argumento sobre a influência da arte portuguesa do passado na arquitetura Nasoni. Da sua triple forma nasce o ritmo de toda a parte superior da grande portada, delimitada por uma moldura horizontal. No meio do arco levanta-se a faustosa pedra de armas do Bispo D. José Maria Fonseca e Évora, de forma caprichosa, rodeada de cordas”.
Procurou-se com estas breves referências históricas ao território de Santa Cruz do Bispo enaltecer a importância que o património histórico apresenta para a construção da identidade desta comunidade, constituindo-se este como um dos maiores desafios que se coloca à estratégia de reabilitação urbana que se pretende implementar para esta zona do concelho de Matosinhos. De facto, a proximidade à cidade de Matosinhos e Porto, usufruindo ainda de excelentes acessibilidades rodoviárias, poderá permitir afirmar esta zona como uma alternativa de residência e lazer que se paute pela tranquilidade e bucolismo da sua paisagem.
Documentos
Proposta de Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Santa Cruz do Bispo