O pragmatismo da funcionalidade e a existência de um programa relativamente aberto, junto à sedução da forma que fomos encontrando, foi-nos convencendo sobre a melhor solução para o que deverá restar do Cine-Teatro e, sobretudo, para o que se poderá fazer de novo em prefiguração das novas “performances” da contemporaneidade.
Acabamos por aceitar, com alguma convicção, a última proposta programática: sala de espetáculos (sem nos afastarmos do teatro à italiana, como modelo estrutural) e espaço polivalente.
O conjunto foi pensado para uma heterodoxia funcional que, além de o colocar no seio cosmopolitismo mais avançado, gostaríamos que não retirasse, antes conferisse, uma maior dignidade e atualidade a uma obra com esta importância simbólica.
Trata-se de uma remodelação, o que pressupõe a legitimação de uma memória que deverá ser preservada. Mas de que memória se trata? Com a consciência de que a memória é, também, uma consciência presente, consolidamos fisicamente a fachada existente, enriquecendo a sua mensagem para a cidade com imagens virtuais dos novos conteúdos, e consolidamos afetivamente a recordação, criando espaços para os renovados prazeres do espetáculo que nos lembrarão os antigos, assim estabelecendo a ponte que desejamos, entre o passado e o futuro.
Condicionado por uma envolvente construída até aos limites da sua própria ocupação, o edifício, ou o que dele resta, designadamente nos seus elementos mais representativos – volumetria geral e desenho da fachada – apresenta-se como elemento de construção de um ambiente urbano cuja qualidade, por menos válida na sua proximidade, o notabiliza. O preenchimento, com construção, de todo o seu entorno, ao mesmo tempo que contribui para o seu enquadramento na malha da cidade, restringe e impõe essenciais cuidados ao nível da intervenção a propor.
Preservamos a fachada, não só por ser obrigatório programaticamente, mas também por nos parecer cenário reinterpretável como fronteira que não separa, sinal dos novos tempos.
Assim temos dois setores. Um, o espaço polivalente, espaço de comunicação, que se relaciona de maneira informal com a chamada sala de espetáculos e com o exterior. Esta última é uma área mais especializada, em que alguns elementos de leitura arquitetónica constituem a própria mecânica de cena e se estendem, democraticamente, a todo o espaço. Coerentemente furtamo-nos à tradição setecentista do teatro hierarquizado evitando, por isso, a permanência do arco do proscénio.
É uma ideia ambiciosa que implica a construção de uma máquina rigorosa, de funcionamento perfeito de que não se podem alhear, felizmente, os aspetos lúdicos que permitem cruzar a mecânica com a manipulação das imagens e do som.
O projeto pode enquadrar-se tipologicamente no grupo das salas multifuncionais em auditório. Destaca-se a configuração da sala num só volume palco/sala, sem proscénio, com bancada retráctil, dividida em três módulos, para uma lotação de 235 lugares.
Este espaço, pelas suas características, estabelece-se como sala de acolhimento, consagrando, também, a possibilidade de criação de diferentes produções ao propor uma ampla sala de ensaios, situada sobre a torre de cena.
O projeto permite uma montagem de cena à italiana, em sala contraposta, uma montagem de cena em arena, tirando partido da mobilidade da bancada e, por último, uma multiplicidade de configurações flexíveis quando a bancada se encontra recolhida, transformando o espaço num amplo salão, ainda com a possibilidade de se ligar ao espaço polivalente.
É de referir que o espaço útil de cena, em montagem à italiana, possibilita a receção de produções de média dimensão, em boas condições.
O espaço apresenta uma torre de palco com 16m de altura, até à teia, constituída por um piso em gradil de ferro e falsa teia a 2m de altura, duas varandas à esquerda e à direita de cena ligadas entre si por varandas na parede de fundo do palco. Recorrendo a maquinaria motorizada e manual para efetuar as manobras de cena, um adequado conjunto de varas duplas motorizadas especialmente dedicado à utilização de equipamento de iluminação de cena e, muito mais do que isso, a suspensão de todo o tipo de elementos, desde cenários a atores ou écran de cinema, permitindo uma grande versatilidade performativa.
A opção tomada por maquinaria motorizada, deve-se à necessidade de não ocupar uma das paredes laterais do palco com um sistema de contra-pesos que iria roubar, quer espaço útil de cena, quer a mais valia de um espaço amplo sem obstáculos nas paredes.
Existe ainda um segundo sub-palco reservado ao armazenamento de equipamentos técnicos de cena tal como projetores, estrados niveladores etc. podendo, ainda, servir para oficina de carpintaria de cena, para construção/reparação. O palco, 1º sub-palco e 2º sub-palco encontram-se ligados por uma plataforma elevatória que garante os necessários acessos de equipamentos de porte médio.
Os camarins, dispostos em altura junto ao palco, são, tal como a sala de ensaios e as teias, sala de dimmers e 2ª varanda, 1ª varanda e ainda sanitários, palco, 1º e 2º sub-palcos, servidos por escadas e por elevador.
A sala apresenta as paredes, pavimento e teto forrados com madeira de tonalidade escura. Este último, embora sendo fixo, adapta-se a diferentes situações acústicas e eletroacústicas.
A régie ocupa um papel importante no conjunto dos equipamentos do teatro e simultaneamente se assume como charneira, dividindo equipamentos e infraestruturas entre os dois espaços.
A sua dimensão serve perfeitamente para albergar um posto de operação de som, um posto de operação de luz, colocação de projetor vídeo, projetor de cinema que também poderá servir ambos os espaços e follow spot.
No café concerto existe uma copa e zona de serviço. O espaço é apoiado por uma galeria que, enriquecendo a capacidade de uso daquela, garante o acesso à cabina técnica.
O acesso dos camarins a este espaço é feito através de um corredor situado ao nível do 1º sub-palco, com ligação através de elevador.
Parece-nos redundante descrever outros aspetos funcionais, relacionados com o desempenho normal de qualquer edifício deste género, legíveis claramente nos desenhos e na maqueta apresentada.
Foi especialmente cuidada e redimensionada toda a zona de receção, que auferirá de espaços dignificados, mais diretamente ligados ao exterior ou ao interior, inexistentes no edifício antigo.
2005/2006 Atelier 15 – Arquitectura, Lda.