Primeira escultura pública do artista em Portugal está na Marginal de Matosinhos. “Dois Gémeos”, em homenagem aos Irmãos Passos, é uma das duas únicas obras públicas do artista em Portugal
Tudo começou com uma encomenda. Em 2016, a Câmara Municipal de Matosinhos convidou Julião Sarmento, um dos artistas portugueses com um percurso internacional mais solidamente firmado, a fazer uma escultura pública, “Dois Gémeos”, sobre os irmãos Passos, dois matosinhenses acérrimos defensores das liberdades e da justiça. O artista aceitou com agrado o convite.
Contudo, a ligação de Matosinhos a Julião Sarmento não ficou apenas por aqui, tendo também tido outro momento alto, numa altura em que o município foi Capital da Cultura do Eixo Atlântico com uma exposição, na Galeria Municipal, de 22 de julho a 15 de outubro de 2016, e que permitiu apresentar o seu trabalho a um público generalizado. Na altura, Julião Sarmento decidiu convidar Miguel von Hafe Pérez para comissariar a exposição. Da seleção do curador nasceu “No Fio da Respiração”, que reuniu 26 trabalhos criados entre 1966 e 2011, de pintura, desenho e escultura. De salientar que duas das obras que estiveram expostas em Matosinhos, datadas de 1966, nunca antes tinham sido mostradas em público.
Em dezembro de 2016, a arte e a genialidade de Julião Sarmento ficou definitivamente ligada a Matosinhos com a inauguração do monumento aos irmãos Passos no Passeio da Praia, na Marginal de Matosinhos (Avenida Norton de Matos). Esta é uma das duas únicas obras públicas do artista em Portugal e foi, na altura, inaugurada pelo Primeiro-Ministro António Costa e pelo então Presidente da Câmara, Guilherme Pinto.
O conjunto escultórico “Dois Gémeos” teve como principal objetivo assinalar o pioneirismo e o génio destes dois filhos da terra e defensores da democracia e da liberdade.
“Consciente dos riscos que há em homenagear Passos Manuel e José da Silva Paços com a instalação de uma escultura na praça pública, a Câmara Municipal de Matosinhos escolheu entregar a tarefa a um dos mais conceituados artistas plásticos portugueses da atualidade. Ao unir o génio e a criatividade de Julião Sarmento à inspiração cívica, ética e cultural dos irmãos Passos cremos ter reunidos as condições para o surgimento de uma obra de arte - um ícone que, visto a partir do futuro, permitirá recordar e julgar”, considerou na altura o presidente da Câmara Municipal de Matosinhos.
O artista mostrou-se emocionado e salientou, à data, que a escultura dos irmãos Passos constituiu a sua primeira escultura pública em Portugal. Desde então, apenas mais uma foi criada no nosso País, na cidade do Porto.
Sendo talvez um dos artistas mais internacionais, Julião Sarmento tem apenas duas obras públicas no nosso País.
Em maio de 2019, a Galeria Municipal de Matosinhos voltou a expor obras do artista na exposição conjunta “Mesa dos Sonhos”, que reuniu também, e pela primeira vez, obras de Helena Almeida, José Pedro Croft, Leonor Antunes e Pedro Cabrita Reis.
Julião Sarmento nasceu em Lisboa em 1948. Tendo frequentado o curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa entre 1967 e 1974 e sendo autor de uma obra multifacetada, Julião Sarmento iniciou atividade nos anos de 1970, enquadrando-se nas práticas artísticas mais avançadas desse período. Na década seguinte afirma-se como um dos artistas plásticos portugueses com maior projeção, nacional e internacional, expondo em galerias e museus de grande prestígio.
Na transição das décadas de 80 para 90, a sua pintura torna-se mais sóbria e contida, adotando uma depuração quase monacal. É o período das Pinturas Brancas, em que predomina o desenho a grafite sobre fundo branco, e que coincide com a plena consagração nacional ao representar Portugal na Bienal de Veneza de 1997. Nesta fase o autor transporta a representação do feminino, desde sempre presente ao ponto de ser a imagem de marca da sua obra, para um novo patamar de subtileza e insinuação. Ao incidir de uma maneira mais explícita sobre a prática do desenho interrompido, o trabalho do artista prossegue a infindável tarefa de fazer coincidir o trabalho de invenção e criação plástica com a exploração do território de formulação e questionação do desejo nas suas infinitas modelações.
Julião Sarmento trabalhou com galerias de renome em Lisboa, Porto, Londres, Berna, Madrid, Barcelona, Munique, Torino, Bruxelas, Nova Iorque, Beverley Hills, São Paulo ou Nagoya, Julião Sarmento construiu uma sólida carreira internacional. A sua obra foi alvo de revisões globais em Witte de Witte (Roterdão, 1991), Centro de Arte Reina Sofia (Madrid, 1992), Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 1993, 2000). Em 2011 a Tate Modern, Londres, instalou um Artist Room com obras suas.
A Câmara Municipal de Matosinhos lamenta profundamente a morte de Julião Sarmento, um dos nomes mais internacionais da arte contemporânea portuguesa, e expressa as mais sentidas condolências à sua família.